Robert Kalley: o pai do Congregacionalismo Brasileiro

Ao completar 167 anos do Congregacionalismo no Brasil, deixo aqui uma pequena contribuição, em um breve resumo sobre a trajetória de um ilustre crente e seu importante legado para a evangelização do nosso país: Robert Kalley: o pai do Congregacionalismo Brasileiro.

Amplia o lugar da tua tenda, e as cortinas das tuas habitações se estendam; não o impeças; alonga as tuas cordas e firma bem as tuas estacas. Porque trasbordarás à mão direita e à esquerda; e a tua posteridade possuirá as nações e fará que sejam habitadas as cidades assoladas. Isaías 54:2-3.

Congregacionais, a origem

Robert Kalley: o pai do Congregacionalismo Brasileiro

No final do Século XVI e início do Século XVII surgiu um movimento na Inglaterra, conhecido como “Independentes”. Eles eram contrários à ligação da Igreja com o Estado.

Após a Revolução de 1688 (Revolução Gloriosa é o nome que se dá aos acontecimentos que se passaram na Inglaterra e levaram à deposição de Jaime II do trono inglês), os puritanos foram reconhecidos como dissidentes da igreja da Inglaterra e conseguiram o direito de organizarem-se independentemente. Do movimento iniciado pelos puritanos surgiram três denominações: Presbiteriana, Batista e Congregacional.

Os congregacionais, também chamados de congregacionalistas ou independentes, fizeram parte da primeira geração de protestantes ingleses. Oriundos da Reforma Anglicana, sua história está relacionada ao puritanismo, movimento crítico e reformador que atuou no seio da Igreja Anglicana com o objetivo de libertá-la das características da Igreja Católica Apostólica Romana, que exercia enorme influência mesmo depois da emancipação promovida pelo rei Henrique VIII.

Os congregacionais reivindicavam uma paróquia autônoma e independente de instâncias externas ou superiores, diferente do que ocorria na Igreja Anglicana (centralizada e submissa ao monarca inglês) e da Igreja Católica Apostólica Romana (também hierarquizada e submissa ao Papa). Com tal autonomia, cada congregação (por isso “congregacional”) estaria apta para eleger seus ministros, praticar sua liturgia e administrar os recursos oriundos dos congregados.

O Congregacionalismo é um “Regime de Governo Eclesiástico” onde as igrejas (congregações) são independentes e autônomas para eleger seus ministros, praticar sua liturgia e administrar os recursos oriundos dos congregados.

Nomes que foram expoentes do Congregacionalismo na Inglaterra

Robert Browne (1540 – 1630) – é tido como o primeiro teórico do Congregacionalismo
Henry Barrowe (1550 – 1593)
John Greenwood (- – 1593)
Richard Fytz – considerado o primeiro pastor de uma igreja Congregacional, entre os anos de 1567 e 1568

Congregacionalismo no Brasil

O Congregacionalismo brasileiro não tem suas origens históricas no Congregacionalismo britânico ou norte-americano, mas sim no trabalho missionário indenominacional [1]. As primeiras igrejas fundadas pelos pioneiros do Congregacionalismo brasileiro eram apenas igrejas evangélicas brasileiras, sem nenhum vínculo denominacional com igrejas no exterior.

Robert Reid Kalley, o “pai” do Congregacionalismo no Brasil

Filho de família rica, Robert Reid Kalley nasceu em Mount Florida, no sudeste de Glasgow (Inglaterra), em 8 de setembro de 1809. Em 1829, obteve o diploma de cirurgião e farmacêutico pela Faculdade de Medicina e Cirurgia da Universidade de Glasgow. Como médico de bordo conheceu muitos portos, inclusive o do Funchal, na ilha da Madeira, onde, anos depois, fundaria uma das primeiras comunidades protestantes lusitanas, juntamente com sua mulher, Margaret Crawford.

Robert Kalley casou-se com Margaret em 1838. O sonho de Robert era tornar-se missionário na China, mas, considerando a frágil saúde da esposa, os colegas sugeriram-lhe a ilha da Madeira, “um pequeno paraíso de clima suave”. Em 12 de outubro de 1838, o casal chegou ao Funchal (capital da Ilha da Madeira), onde já havia uma colônia de escoceses. No dia 8 de julho de 1839 Kalley foi ordenado ao ministério pastoral.

Viagem de Robert Kalley à Ilha da Madeira em 1838. Imagem: reprodução / Adaptação / Google Maps.

Histórico de Robert Kalley na Ilha da Madeira

Aprendeu Português.
Em 1839, Kalley foi ordenado Ministro do Evangelho.
Fundou Escolas Bíblicas.
Nas consultas médicas, orava pelos enfermos e colocava textos bíblicos nas receitas.
Em 1841, iniciou-se uma perseguição contra Robert Kalley.
Em 1843, Robert Kalley é preso na Ilha da Madeira.
Em 1844, Kalley teve sua casa depredada e queimada.
Fugiu para buscar abrigo na casa do Cônsul Inglês. A fuga marcou a expulsão de vários Cristãos da Ilha da Madeira.

Após a fuga da Ilha da Madeira, Robert Kalley foi para a Irlanda, Londres, Malta, e Beirute (Líbano), onde sua esposa Margareth veio a falecer, em 1846.

O casamento com Sarah Pouton e a viagem para os EUA

Robert Kalley: o pai do Congregacionalismo Brasileiro
Sarah Pouton Kalley. Imagem: reprodução / Internet.

Em 1852, no Líbano, Robert conhece Sarah Pouton. Sarah era mulher congregacional, que falava vários idiomas, era musicista, poeta e pintora. Casaram-se em Beirute. Esse casamento contribuiu para que Kalley eventualmente se afastasse de suas raízes presbiterianas e se voltasse para o congregacionalismo. Em 1853, viajaram para os EUA, onde prestaram apoio a vários irmãos madeirenses refugiados.

Robert Kalley: o pai do Congregacionalismo Brasileiro

As extraordinárias qualificações de Sarah Pouton agregaram inestimável contribuição à obra de Robert Kalley. Mais tarde, já no Brasil, ela participou da organização dos Salmos e Hinos, o primeiro hinário evangélico brasileiro, usado pela primeira vez em 17 de novembro de 1861, na Igreja Evangélica Fluminense.

Dos EUA para o Brasil

Robert Kalley: o pai do Congregacionalismo Brasileiro

Entre 1853 e 1854 Robert Kalley e Sarah conhecem o Brasil através do livro “Reminiscências de Viagens e Permanência no Brasil”, de Daniel P. Kidder.

Em 1855 Kalley e Sarah saem dos EUA e chegam primeiro no Recife; depois seguem viagem para o Rio de Janeiro. Em 10 de maio de 1855, Robert Kalley e Sarah Kalley desembarcam no Rio de Janeiro.

Passados dois meses da chegada ao Rio, Robert e Sarah fixaram residência em Petrópolis, em 07 de junho de 1855, cidade que mostrou condições favoráveis ao trabalho missionário do casal, graças ao auxílio que receberam dos colonos alemães que ali já residiam.

Robert Kalley procurou manter bom relacionamento com autoridades civis brasileiras à época, inclusive com o Imperador Pedro II, do qual era vizinho. Por várias vezes recebeu a visita do Imperador, que tinha interesse em ouvir histórias sobre a peregrinação de Kalley pela Palestina.

A primeira Escola Dominical em Língua Portuguesa no Brasil

Em 19 de agosto 1855, Robert Reid Kalley e Sarah Poulton Kalley fundam a primeira Escola Dominical em língua Portuguesa no Brasil, na cidade de Petrópolis, no Rio de Janeiro.

A primeira aula da Escola Dominical de Sarah Kalley foi assistida por 5 crianças, em Petrópolis. A história contada foi a de “Jonas”. Sarah usou mais gestos do que palavras, pois ainda estava aprendendo a língua portuguesa.

O sucesso do trabalho com crianças levou o casal Kalley a expandir o público-alvo, abrindo oportunidade para jovens e adultos aprenderem a Bíblia.

Algumas Contribuições de Robert Kalley para a sociedade Brasileira

Ajudou, como médico, na situação sanitária do país;
Fundou classes de estudos para negros, na época da escravatura;
Viabilizou o registro de nascimentos, óbitos e casamentos (para pessoas de qualquer religião);
Conseguiu autorização para celebração de casamentos por Pastores;
Conseguiu autorização para sepultamento de evangélicos nos cemitérios públicos.

No dia 11 de junho de 1858 Robert Kalley batizou Pedro Nolasco de Andrade, seu primeiro converso brasileiro, sendo esta data considerada como o dia da organização da “Igreja Evangélica”, posteriormente (18 de setembro de 1863) denominada “Igreja Evangélica Fluminense”.

Kalley também enfrentou oposição religiosa no Brasil, tendo o império enviado à representação britânica um comunicado com queixas contra a atuação do evangelista. Estas queixas eram, por pressão do núncio católico, alegações de propaganda contrária à religião do Estado e tentativa de conversão forçada de católicos à fé protestante.

Robert Kalley e a Igreja Evangélica Pernambucana

A Igreja Evangélica Pernambucana foi fundada por Robert Kalley e sua esposa Sarah Kalley no dia 19 de outubro de 1873. A igreja foi organizada na Rua Nogueira, 190, próximo ao Mercado de São José, no bairro de Santo Antônio. Nesse dia foram batizados os primeiros doze crentes daquela congregação.

Ainda em Recife, Robert Kalley registrou no seu diário pessoal uma violenta perseguição sofrida no dia 29 de outubro de 1873, por causa da realização de uma casamento civil, prática que tradicionalmente era realizada através de cerimônia religiosa entre os convertidos ao catolicismo. Kalley apoiava-se no decreto 3.069, de 17 de abril de 1863, que estendia os efeitos civis aos casamentos celebrados entre pessoas que professavam religião diferente da do Estado [2]. Sobre este fato, Kalley relatou no diário:

“Quando a multidão começou a tumultuar, o subdelegado não tinha nenhum plano de ação. Entrou e acusou de pecado, de termos feito não um casamento e, sim um ato de pecado, um ato de prostituição. Ele nada sabia da lei do Império que autorizava o casamento acatólico e não queria espalhar a multidão e manter a paz…Nenhuma autoridade da polícia perto da praça, mas ruas cheias da ralé. Mal começamos a andar quando a gritaria, os brados e os assobios começaram. Multidão nos seguiu com gritos e gestos ameaçadores. Talvez um número de não menos de 600 pessoas e parecia um situação muito alarmante. Piorou rapidamente. Procuramos refúgio em casas mas as portas eram fechadas. Jogaram tijolos, pedras e lama. Durante todo o episódio, alguns do nosso povo e seus amigos ficaram nobremente ao nosso lado…”

Sobre a organização hierárquica, subordinação e preceitos doutrinários da Igreja Evangélica Pernambucana, Kalley declarou:

“A Igreja Evangélica Pernambucana não pertence a nenhuma denominação estrangeira; não é presbiteriana porque esta considera válido o batismo romano e pratica o batismo de crianças; aproxima-se mais da denominação batista, mas prefere ter a liberdade de admitir à comunhão qualquer crente fiel e obediente ao Senhor… É, pois, uma igreja evangélica brasileira.”

Os 28 Artigos da Breve Exposição das Doutrinas Fundamentais do Cristianismo

Robert Kalley: o pai do Congregacionalismo Brasileiro
Os 28 artigos da Breve Exposição das Doutrinas Fundamentais do Cristianismo. Imagem: reprodução / Internet.

Tendo consolidado o trabalho Congregacional no Brasil, o pastor Robert Reid Kalley planejou viajar de volta para a Escócia. Mas, sentiu que faltava aos conversos as diretrizes da fé Protestante que, mesmo sendo ensinadas nos cultos e estudos bíblicos, deveriam estar resumidas em um documento. Em 1º de janeiro de 1875 ele apresentou à assembleia de membros da Igreja Evangélica Fluminense a base de uma confissão de fé. O documento foi aprovado em 02 de julho de 1876 e passou a se chamar Os 28 artigos da Breve Exposição das Doutrinas Fundamentais do Cristianismo.

Robert Kalley partiu definitivamente do Brasil para a Escócia no dia 10 de julho de 1876. Faleceu em Edimburgo no dia 17 de janeiro de 1888.

Enquanto vivo, Kalley sempre manteve contato com os líderes das igrejas por ele estabelecidas no Brasil e em outros lugares por onde teve a oportunidade de evangelizar.

Sua esposa, Sarah Poulton Kalley, faleceu em 1907. Em 1892 ela fundou a missão Help for Brazil, cujo objetivo era cooperar, através do envio de obreiros, com as igrejas originadas do trabalho do Dr. Robert Kalley, conhecidas como Igrejas Evangélicas e que mais tarde passaram a ser conhecidas como Igrejas Evangélicas Congregacionais.

Fontes de pesquisa:
[1] – Wikipedia [https://pt.wikipedia.org/wiki/Congregacionalismo]
[2] – https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-3069-17-abril-1863-555008-publicacaooriginal-74026-pe.html
[2] – jus.com.br [https://jus.com.br/artigos/23332/notas-sobre-as-origens-do-casamento-civil-no-brasil]

Reginaldo Mauro Neves
Reginaldo Mauro Neves

Reginaldo Mauro Neves serve na Igreja Evangélica Congregacional Central de Niterói desde 1995.

Igreja Congregacional Central de Niterói
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